Quatro Retratos de Jesus

Imagine uma figura cuja influência atravessou milênios, culturas e continentes, transformando vidas e moldando a história da humanidade. Jesus Cristo é essa figura central, uma presença tão marcante que até o nosso calendário é dividido em antes e depois de sua vida. No cristianismo, Jesus é mais do que um profeta ou um mestre; Ele é o Filho de Deus, o Salvador e o redentor da humanidade. Seu impacto é incomensurável, e suas palavras e ações continuam a ressoar profundamente em bilhões de pessoas ao redor do mundo.

Para entender verdadeiramente quem foi Jesus, voltamo-nos para o Seu Evangelho segundo as narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João. Esses quatro livros, que formam o coração do Novo Testamento, nos oferecem relatos distintos e complementares da vida, ensinamentos, morte e ressurreição de Jesus. Cada livro foi escrito por um autor com uma perspectiva única, dirigindo-se a públicos diferentes e enfatizando aspectos variados da natureza e missão de Jesus.

Neste artigo, embarcaremos em uma jornada comparativa pelos quatro livros, a fim de compreender como cada um deles retrata Jesus, a figura central do cristianismo, de maneira única e significativa.

Evangelho de Jesus, Segundo Mateus

Autor e Contexto

O Evangelho de Mateus é atribuído a Mateus, também conhecido como Levi, um dos doze apóstolos de Jesus e anteriormente um cobrador de impostos. Escrito por volta do final do primeiro século, este Evangelho tem como principal público-alvo a comunidade judaica. Mateus escreve com a intenção de mostrar aos judeus que Jesus é o Messias prometido, aquele que cumpriu as profecias do Antigo Testamento. Sua abordagem é enraizada nas Escrituras Hebraicas, com numerosas referências e citações diretas das profecias, mostrando como Jesus as cumpriu.

Retrato de Jesus, o Messias Prometido

No Evangelho de Mateus, Jesus é apresentado como o Messias prometido, o rei que viria para cumprir as antigas profecias judaicas. Mateus enfatiza a legitimidade messiânica de Jesus, ligando sua genealogia a Abraão e Davi, figuras centrais na tradição judaica. Jesus é retratado como o novo Moisés, trazendo uma nova lei e um novo pacto, estabelecendo o Reino dos Céus.

Principais Temas

Reino dos Céus: Frequentemente mencionado, o Reino dos Céus é uma expressão única de Mateus, destacando a soberania de Deus e o cumprimento de Suas promessas através de Jesus.

Cumprimento da Lei: Jesus não veio para abolir a Lei, mas para cumpri-la (Mateus 5:17). Mateus mostra como Jesus expande e aprofunda o entendimento da Lei.

Sermão da Montanha: Um dos discursos mais conhecidos de Jesus, encontrado em Mateus 5-7, onde Ele apresenta ensinamentos éticos e espirituais profundos que desafiam e inspiram seus seguidores.

Exemplos e Passagens Chave

Genealogia de Jesus (Mateus 1:1-17): Mateus começa seu Evangelho com a genealogia de Jesus, ligando-o a Abraão e Davi, sublinhando seu direito messiânico.

Cumprimento das Profecias (Mateus 1:22-23): “Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: ‘A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamarão Emanuel’ (que significa ‘Deus conosco’).”

Sermão da Montanha (Mateus 5-7): Inclui as bem-aventuranças, o Pai Nosso, e ensinamentos sobre a lei, a ira, o adultério, o divórcio, os juramentos, a retaliação e o amor aos inimigos.

O Reino dos Céus: Em várias parábolas, como a do semeador (Mateus 13:1-23) e a do trigo e do joio (Mateus 13:24-30), Jesus explica a natureza e o crescimento do Reino dos Céus.

Mateus apresenta Jesus como o cumprimento divino das expectativas messiânicas judaicas, ligando cuidadosamente os eventos de sua vida e ministério às profecias do Antigo Testamento. Este retrato destaca Jesus como o legítimo e prometido rei, que veio para estabelecer um novo reino e uma nova aliança com seu povo.

Evangelho de Jesus, Segundo Marcos

Autor e Contexto

O Evangelho de Marcos é tradicionalmente atribuído a João Marcos, um companheiro de Pedro e Paulo. Escrito por volta de 60-70 d.C., é geralmente considerado o mais antigo dos quatro Evangelhos. Marcos é conciso e dinâmico, enfatizando a ação imediata. Seu público-alvo principal parece ser os cristãos romanos, que enfrentavam perseguições e precisavam de um relato encorajador e inspirador sobre a vida de Jesus. A brevidade e a urgência do texto de Marcos refletem uma abordagem que ressoa com um público romano, familiarizado com a ação direta e os relatos heróicos.

Retrato de Jesus, o Servo Sofredor e o Filho de Deus

No Evangelho de Marcos, Jesus é retratado como o Servo Sofredor e o Filho de Deus. Marcos enfatiza a humanidade e a divindade de Jesus, mostrando-o como alguém que veio para servir e não para ser servido, culminando em seu sacrifício na cruz. O sofrimento de Jesus é um tema central, apresentando-o como o Messias que cumpre as profecias de Isaías sobre o servo sofredor.

Principais Temas

Ação e Milagres: Marcos apresenta um Jesus constantemente em movimento, realizando milagres e atos poderosos, demonstrando sua autoridade divina.

Sofrimento e Sacrifício: Marcos detalha os sofrimentos de Jesus, destacando a sua paixão e crucificação como elementos centrais de sua missão redentora.

A palavra “imediatamente” (do grego “euthys”) é usada repetidamente, criando um senso de urgência e movimento constante.

Exemplos e Passagens Chave

Início do Ministério de Jesus (Marcos 1:1-11): Marcos começa seu Evangelho com a proclamação de João Batista e o batismo de Jesus, estabelecendo imediatamente a identidade divina de Jesus: “Você é meu Filho amado; em você me agrado” (Marcos 1:11).

Milagres e Ação: A cura do homem com um espírito impuro (Marcos 1:23-28), a cura da sogra de Pedro (Marcos 1:29-31) e a multiplicação dos pães e peixes (Marcos 6:30-44) são exemplos de como Marcos retrata a autoridade e o poder milagroso de Jesus.

Predição do Sofrimento (Marcos 8:31): “Então ele começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, fosse morto e três dias depois ressuscitasse.”

Oração no Getsêmani (Marcos 14:32-42): Mostra a humanidade de Jesus em seu momento de angústia, pedindo ao Pai que afastasse dele aquele cálice de sofrimento.

Crucificação e Morte (Marcos 15:33-39): Detalhes da paixão de Jesus culminando com a declaração do centurião romano: “Realmente este homem era o Filho de Deus!” (Marcos 15:39).

Marcos apresenta um retrato vívido de Jesus como o Servo Sofredor, cujo ministério é marcado pela ação poderosa e pelo sacrifício redentor. Seu relato rápido e direto destaca a urgência e a intensidade da missão de Jesus, oferecendo uma imagem inspiradora e desafiadora que fortalece os cristãos, especialmente aqueles enfrentando dificuldades e perseguições.

Evangelho de Jesus, Segundo Lucas

Autor e Contexto

O Evangelho de Lucas é atribuído a Lucas, um médico e historiador, que também é o autor do livro de Atos dos Apóstolos. Lucas não foi um dos doze apóstolos, mas um companheiro próximo de Paulo. Escrito entre 70-90 d.C., este Evangelho é dirigido principalmente a um público gentio (não-judeu). Lucas é detalhista e cuidadoso em sua narrativa, iniciando com um prólogo dedicado a Teófilo, possivelmente um patrono ou um oficial romano, indicando sua intenção de fornecer um relato ordenado e bem pesquisado sobre a vida e o ministério de Jesus.

Retrato de Jesus, o Salvador

No Evangelho de Lucas, Jesus é retratado como o Salvador de toda a humanidade, com uma ênfase especial na compaixão, misericórdia e inclusão. Lucas destaca o amor de Jesus pelos marginalizados e pelos pecadores, apresentando-o como aquele que veio para buscar e salvar o que estava perdido. Este retrato universalista de Jesus sublinha sua missão de alcançar todas as pessoas, independentemente de sua origem ou status social.

Principais Temas

Universalidade da Salvação: Jesus é o Salvador de todos, não apenas dos judeus, mas de toda a humanidade.

Compaixão e Inclusão: Jesus demonstra um amor profundo pelos pobres, pelos doentes, pelos pecadores e pelos marginalizados.

Parábolas sobre Perdão e Misericórdia: Lucas inclui várias parábolas que enfatizam o perdão, a misericórdia e a graça de Deus.

Exemplos e Passagens Chave

Nascimento de Jesus (Lucas 2:1-20): Lucas narra detalhadamente o nascimento de Jesus, incluindo o anúncio aos pastores, destacando o alcance universal da boa nova: “Não tenham medo. Estou trazendo boas-novas de grande alegria para vocês, que são para todo o povo” (Lucas 2:10).

Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25-37): Esta parábola destaca a compaixão e a inclusão, ensinando que o verdadeiro amor ao próximo transcende as barreiras étnicas e religiosas.

Parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:11-32): Uma das parábolas mais conhecidas de Jesus, que sublinha o perdão e a misericórdia do Pai celestial, sempre pronto para receber de volta o filho arrependido.

Zaqueu, o Coletor de Impostos (Lucas 19:1-10): A história de Zaqueu exemplifica a missão extensiva de Jesus e sua disposição de alcançar os marginalizados: “Hoje houve salvação nesta casa! Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (Lucas 19:9-10).

Jesus e o Ladrão na Cruz (Lucas 23:39-43): Mesmo no momento de sua crucificação, Jesus estende a graça e a promessa de salvação ao ladrão arrependido, demonstrando seu alcance redentor.

Lucas apresenta Jesus como o Salvador de toda a humanidade, enfatizando sua compaixão e misericórdia. Através de narrativas detalhadas e parábolas ricas em significado, Lucas destaca a universalidade da mensagem de Jesus, tornando seu Evangelho uma fonte de esperança e inclusão para todos. Este retrato inclusivo e compassivo de Jesus reforça a visão de um Salvador que acolhe a todos, especialmente aqueles que se sentem perdidos ou excluídos.

Evangelho de Jesus, Segundo João

Autor e Contexto

O Evangelho de João é tradicionalmente atribuído ao apóstolo João, um dos doze discípulos de Jesus e um de seus mais íntimos confidentes. Escrito provavelmente entre 90-100 d.C., este Evangelho é distinto dos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) em seu estilo e conteúdo. João escreve com uma profundidade teológica e uma abordagem mais filosófica, visando um público-alvo mais amplo, composto por judeus e gentios. Seu propósito é claramente afirmado: levar os leitores a crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que, crendo, possam ter vida em seu nome (João 20:31).

Retrato de Jesus, o Verbo Encarnado

No Evangelho de João, Jesus é retratado como o Verbo Encarnado, o Filho de Deus, com uma ênfase marcante em sua divindade. João destaca desde o início que Jesus é Deus, que se fez carne e habitou entre nós (João 1:14). Através de seus sinais, discursos e declarações “Eu sou”, Jesus é apresentado não apenas como o Messias, mas como a própria encarnação de Deus, o Logos eterno que trouxe luz e vida ao mundo.

Principais Temas

Luz e Trevas: João frequentemente contrasta Jesus como a luz que veio ao mundo para dissipar as trevas do pecado e da ignorância.

Vida Eterna: Um tema central, enfatizando que Jesus veio para oferecer vida eterna a todos que creem nele.

Amor: O amor de Deus manifestado através de Jesus e a nova ordem de amar uns aos outros como Ele nos amou.

Exemplos e Passagens Chave

Prólogo: O Verbo se Fez Carne (João 1:1-18): “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. … E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (João 1:1, 14).

Jesus e Nicodemos (João 3:1-21): Inclui o versículo icônico João 3:16: “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.”

A Luz do Mundo (João 8:12): “Falando novamente ao povo, Jesus disse: ‘Eu sou a luz do mundo. Quem me segue nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida.’”

Ressurreição de Lázaro (João 11:1-44): Demonstra o poder de Jesus sobre a morte e destaca sua declaração: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá” (João 11:25).

O Bom Pastor (João 10:1-18): Jesus declara: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (João 10:11), enfatizando seu cuidado e sacrifício pelos seus seguidores.

A Última Ceia e o Mandamento do Amor (João 13:1-35): Jesus lava os pés dos discípulos e dá um novo mandamento: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros” (João 13:34).

João apresenta um retrato profundamente teológico e inspirador de Jesus como o Verbo Encarnado, o Filho de Deus, cuja missão é trazer luz, vida e amor ao mundo. Através de sinais milagrosos e declarações profundas, o Evangelho de João destaca a divindade de Jesus e sua relação íntima com o Pai, oferecendo uma compreensão rica e espiritual de quem é Jesus e do propósito de sua vinda ao mundo.

Análise Comparativa

Semelhanças

Os quatro relatos do Evangelho de Jesus – Mateus, Marcos, Lucas e João – compartilham vários pontos em comum:

Narrativa Central: Todos relatam a vida, os ensinamentos, os milagres, a morte e a ressurreição de Jesus.

Identidade de Jesus: Cada Evangelho afirma a identidade de Jesus como o Messias e o Filho de Deus.

Ministério de Jesus: Descrevem o ministério público de Jesus na Galileia e em Jerusalém, incluindo sua pregação, curas e confrontos com líderes religiosos.

Eventos Cruciais: Todos os Evangelhos narram eventos cruciais como o batismo de Jesus, a última ceia, a crucificação e a ressurreição.

Ensinamentos Chave: Incluem muitos dos mesmos ensinamentos e parábolas de Jesus, como o Sermão da Montanha (em Mateus e Lucas), e as parábolas do Reino.

Diferenças

Cada Evangelho tem características únicas que refletem as perspectivas e intenções dos autores:

Mateus: Enfatiza Jesus como o cumprimento das profecias judaicas, destacando sua linhagem davídica. Apresenta Jesus como o Messias prometido, o cumprimento das profecias do Antigo Testamento e o novo Moisés que estabelece o Reino dos Céus. Destina-se principalmente aos judeus.

Marcos: Apresenta Jesus como o Servo Sofredor e Filho de Deus, focando em seus milagres e sacrifício. É o mais breve e enfatiza sua ação imediata e poder milagroso, com um foco especial em seu sacrifício. Provavelmente escrito para cristãos romanos.

Lucas: Mostra Jesus como o Salvador de toda a humanidade. Oferece um relato detalhado e ordenado, sublinhando a universalidade da salvação, misericórdia e a compaixão pelos pecadores e marginalizados. Destina-se a um público gentio.

João: Destaca Jesus como o Verbo Encarnado e o Filho de Deus, com uma ênfase profunda em sua divindade, os conceitos de luz e trevas, vida eterna e amor. É mais teológico e filosófico escrito para uma audiência ampla, incluindo judeus e gentios, apresenta discursos profundos e milagres como sinais.

Essas diferenças revelam a diversidade das primeiras comunidades cristãs e como cada autor adaptou a mensagem de Jesus para responder às necessidades e preocupações específicas de seus leitores.

Conclusão

Cada Evangelho contribui para uma visão mais completa e multifacetada de quem Jesus é e do que Ele representa para a humanidade. Esses retratos variados nos lembram que Jesus não pode ser confinado a uma única imagem ou narrativa. Ele é o Messias prometido que cumpre as profecias, o Servo Sofredor que se sacrifica por nós, o Salvador que inclui todos em sua graça e o Verbo Encarnado que ilumina nossas vidas com sua verdade. A diversidade de perspectivas facilita a aplicação da mensagem do Cristo a diferentes contextos culturais e sociais, tornando o Evangelho relevante para as pessoas. 

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